terça-feira, março 20, 2012

O Último Segredo


Muito se fala actualmente, para o bem e para o mal (mais para o mal), dos romances de José Rodrigues dos Santos, comparado por muitos aos de Dan Brown. Esta comparação surge na sequência dos seus thrillers religiosos e não é de todo descabida.

Até à data nunca tinha lido nada deste autor, mas nem que fosse para formar uma opinião pessoal sobre o seu trabalho, largamente falado, precisava de ter algum conhecimento. Acabei por decidir lê-lo quando "O último Segredo" foi editado. Escolhi este livro por algumas razões que se prendem todas com religião. A religião Cristã prende-me o interesse e é um assunto sobre o qual gosto de pesquisar e ter algum conhecimento em termos históricos.
Nesse sentido, este livro prometia conter algumas informações relevantes e "chocantes" sobre a Bíblia e uma ideia inovadora e teoricamente possível que iria abalar o alicerces do mundo se concretizada. José Rodrigues dos Santos pega nestas ideias todas e constrói uma história de ficção à volta delas, um dos problemas é que a história soa a uma desculpa só para mencionar tais ideias e o seu papel além de puramente secundário é irrelevante.

A trama tem início em Roma e faz-nos acompanhar o historiador português, Tomás Noronha, cujos serviços são requisitados por Valentina, uma investigadora da polícia judiciária italiana, a fim de resolver um assassinato de uma conhecida sua. A ajuda de Tomás prova-se ser crucial quando o português resolve hábil e facilmente um enigma deixado pelo assassino. A mensagem em questão tem um símbolo e uma palavra escritas numa folha em branco o qual a polícia não consegue ler. Que a polícia não tenha conhecimentos teológicos e linguísticos faz-me sentido, mas não terem sequer virado a folha ao contrário para verem que ALMA estava lá escrito já me parece muito rebuscado. Tal é descoberto apenas pelo português.
De resto continuamos a acompanhar Tomás e Valentina enquanto se movem pelo mundo tentando decifrar futuras pistas de futuros assassinatos. Essas pistas são todas voltadas para os supostos "erros" que se encontram na Bíblia.

Não gostei da escrita, o autor recorre constantemente ao facilitismo do adjectivo nas descrições, salvo um par de ocasiões em que estas são bem conseguidas. Os diálogos do Tomás Noronha são sofríveis, sempre que ele fala de outra coisa que não a Bíblia é um suplício. As suas constantes investidas de engate em Valentina estão a par com os famosos piropos da construção civil. Ela que também deixa muito a desejar enquanto personagem.
Os capítulos alternam muitas vezes entre os investigadores e o assassino de forma a criar tensão e a lembrar a velha dinâmica entre Langdon e Silas no "Código Da Vinci".
A própria investigação de uma forma geral me parece ser fracamente conduzida.

As partes mais interessantes acabam por ser as questões sobre as quais Tomás se debruça ao discutir os enigmas. Aparentemente o Novo Testamento tal como hoje se encontra escrito terá algumas adulterações quando comparado com versões mais antigas. Palavras alteradas e excertos acrescentados parecem ser alguns dos exemplos. Veja-se uma das mais famosas histórias de Jesus, que é a do apedrejamento e que segundo o historiador é forjada. Também a palavra virgem quando referenciada a Maria mãe de Jesus é algo que é colocado posteriormente, bem como outras passagens que têm o intuito de fazer a ponte entre Jesus e antigas previsões judaicas de forma a coroá-lo como o Rei dos Judeus e como o Messias, o Cristo.

A descrição de Jesus é por vezes diferente entre os quatro evangelhos. O que aqui se discute é que muitos dos segmentos que nos transmitem o Jesus que hoje é conhecido por "ter dado a outra face" são na realidade passagens acrescentadas ou alteradas e que na realidade os textos mais fidedignos são precisamente as passagens que mostram um Jesus conservador e mais ortodoxo em relação à religião judaica. Que Jesus era judeu e não cristão sempre me pareceu óbvio, o cristianismo é algo posterior a ele que supostamente foi fundando com base na sua mensagem. A surpresa será em ver um Jesus como um pregador apocalíptico cuja mensagem era preparar as pessoas para o Reino de Deus fazendo-as arrependerem-se e abdicarem das suas posses.

Hoje o mais importante no Cristianismo, penso que seja a mensagem de Jesus, aquela que é hoje professada, a que vem cortar com a do Velho Testamento afastando a imagem de um Deus castigador, mostrando-o antes misericordioso. Se esta era de facto a mensagem ou não, a verdade é que não teria sido suficiente para tornar o Cristianismo na religião que é hoje em dia, praticada pela maioria da população mundial. Haverá provavelmente mais factores mas vou salientar três sem os quais tal não teria acontecido. O primeiro é a ressurreição, verdadeira ou apenas mito, a verdade é que se Jesus não ressuscita o povo Judeu não o veria como o Messias. O segundo é São Paulo o apóstolo mais importante na propagação da mensagem, é graças a ele que se cortam determinadas ligações às práticas judaicas que afastavam outros povos da conversão, nomeadamente a circuncisão e a proibição da ingestão de carne de porco. A terceira razão prende-se com o Imperador Constantino que implementou esta religião em Roma. Há quem defenda até que parte dele a ideia de divinizar Jesus, até à altura apenas seguido como um homem, descendente de David e filho de Deus no sentido em que todos nós somos filhos de Deus, ou, na altura talvez apenas os Judeus, estamos a falar, afinal de contas, do "povo escolhido".

Apesar das várias citações do Novo Testamento usadas é sempre preciso contextualizar o que estamos a ler. Nada é mais perigoso que uma frase solta. No entanto, e do que me recordo do Novo Testamento há realmente muitas referências que levantam questões, sempre levantaram. No que toca às traduções mais antigas conterem outras palavras e por serem mais antigas, serem mais válidas, aí vou ter de confiar na pesquisa do autor até porque lhe reconheço maior valor enquanto jornalista e até porque nada do que aqui apresenta é novo e pode ser encontrado em livros técnicos. Isto lembra-me sempre que tenho mesmo de pegar na Bíblia e lê-la por completo.

Se esta parte é realmente a mais (única) interessante no livro, não deixa também de ficar a sensação de que o autor se estende muito nas suas explicações caíndo até na repetição. É um debitar de informação massivo cuja linguagem se justificaria mais num livro técnico.

Sobre o final, aquele que prometia ser épico, vou debruçar-me em seguida, até porque é responsável por arruinar tudo o que se passou para trás que já por si era frágil.


SPOILERS


A conclusão de "O Último Segredo" está associada a descoberta de um túmulo em Talpiot, Jerusalém, que continha 10 ossários e onde se crê que um deles é o de Jesus de Nazaré, mais conhecido hoje por Jesus Cristo. As razões prendem-se com os nomes presentes nos outros ossários que se crê serem os de José, Maria, Maria de Madalena e dois possíveis irmãos de Jesus. James Cameron produziu um documentário sobre esta descoberta, "The Lost Tomb of Jesus", para quem estiver interessado.

Nesta história ao analisarem os restos mortais de Jesus conseguem recuperar uma amostra de ADN. Encontram duas células danificadas, mas danificadas em locais diferentes conseguindo assim recriar uma célula completa que contém, como todas, o nosso código genético por inteiro.
A partir disto é fácil ver onde querem chegar. O plano é clonar Jesus (quando a clonagem humana for possível). Dizermos em voz alta estas palavras, "clonar Jesus", chamam claramente a atenção, mas será isto algo assim tão grandioso? Assumindo tal como no livro que seria possível.

O presidente Israelita de uma fundação em Israel é a personagem do livro que esboça este plano. A sua ideia é resolver os conflitos entre Israel e Palestina e quem melhor do que Jesus para trazer a paz ao mundo? Porém, quando começa a investigar a sua personalidade fica surpreso por descobrir que o homem do qual estamos a falar era um judeu ultra-conservador. Seria este homem, aquele que ele procura para trazer a paz?

Ora isto é totalmente descabido, um clone não é mais do que uma pessoa como o mesmo código genético de outra, a clonagem tem ocorrido desde os primórdios dos tempos quando as pessoas têm gémeos por exemplo. Não estamos a falar de um Jesus que nasceu há 2000 anos atrás. Que tipo de preocupações são estas vindo de um suposto líder de uma organização de investigação?
Tudo bem que logo em seguida alguém corrige esta ideia constatando o óbvio. Jesus foi um produto da sua cultura tal como este clone será um produto da actual. Agora a ideia é outra, ao clonar Jesus iria-se educá-lo de forma a servir os propósitos desta fundação que até aqui aparentam ser totalmente altruístas. Admito que se dissermos que um clone de Jesus vai falar, as pessoas são capazes de parar para ouvir, apesar de... não ser Jesus. A não ser que ele comece a replicar pães (adeus fome no mundo).

Podíamos ficar por aqui, mas a insistência em tratar o clone como um Jesus Cristo com memórias de há 2000 anos atrás persiste. Há duas organizações que se aliam para destruir este projecto, uma judaica e uma cristã. A cristá, a P2 (Propaganda Due), não quer a existência deste clone porque se Jesus tem conhecimento daquilo em que a igreja católica se tornou iriam haver problemas... Novamente, será que têm noção do que é um clone?
A minha visão é muito científica reconheço, como seria este acontecimento visto pelo olhos de alguém crente? Se "o" filho de Deus fosse clonado, veriam-no como a um Deus? Membro da santíssima trindade e por conseguinte o mesmo Jesus, com a mesma alma? Provavelmente até poderiam considerar o acto como herético.

O pior ainda acho que é quando descobrimos que Valentina pertence à P2 e sabia desde o início qual a fundação que estava à frente deste projecto. A única informação que lhe faltava era o local onde guardavam a amostra de ADN. Tudo isto deita por terra a investigação conduzida. Os 3 assassinatos, a ajuda de Tomás Noronha, tudo isto é completamente desnecessário, uma manobra muito rebuscada para descobrir onde se encontra o Santo Graal da genética. Valentina que trabalha em conjunto com um membro da polícia israelita podia arranjar formas muito mais simples, rápidas e limpas de ameaçar o presidente da fundação a revelar pura e simplesmente onde está a amostra. Toda a história se torna completamente obsoleta no final.
Por falar em final, o típico clichê em que o vilão revela o plano ao herói, aqui é levado a um outro nível de absurdo.

Mas, ainda há mais. Então membros de organizações tão distintas e poderosas acham que só haveria uma amostra? Não acham que ao recuperar o ADN, não iriam replicar a célula guardando várias amostras em locais distintos, uma vez que se trata de algo tão importante?
Talvez por ter algum conhecimento científico em relação a estas questões esteja a ser mais exigente, pois pessoalmente acho as acções destas personagens francamente descabidas.

Concluindo, acho que o livro recorre a vários artifícios, explora temas sensíveis para se fazer passar por algo grandioso, quando na verdade, se olharmos com atenção, vemos que é tudo menos isso.

8 comentários:

DC disse...

Li 2 livros do JRS, o Codex 666 e A Fórmula de Deus. Nos 2 livros (um sequela do outro) o JRS usa a mesma fórmula para criar o livro. Muito resumidamente [SPOILERS] Noronha recrutado por uma agente feminina para desvendar mistérios deixados em cenários de homicídios, romance artificial com a agente, longas conversas com especialistas intervaladas por viagens e aventuras endiabradas, um membro da família do Noronha tem um cancro (sempre diferente) e morre não sem antes o JRS fazer um dumping de informação sobre a doença. Já nem falo do estilo de escrita que é sofrível. Eu passava a vida a saltar frases inteiras cheias de maneirismos e descrições que nada acrescentavam à história.
Basicamente ele faz chapa cinco de um livro para o outro.
O Dan Brown pode ter os seus defeitos e vícios que são muito semelhantes aos do JRS (estrutura da história sempre igual de livro para livro) mas bate a léguas o JRS.

Loot disse...

Agora que mencionas realmente há um familiar doente lol.

Os vícios e defeitos do JRS é que são muito semelhantes aos do Dan Brown :P
Mas, concordo, da amostra que tive, só li um do Dan Brown, ele é melhor. A narrativa pelo menos é mais coesa e verosímil (aqui não estou a falar das fontes históricas). E os diálogos então...

Se já tinha pouca vontade de voltar a ler JRS, depois do teu comentário ainda menos. Talvez livros como "A Filha do Capitão" sejam melhores. Mas como nem fui fã da escrita, não sei se algum dia lhe pegarei.

Abraço

DC disse...

Ele já escreveu 4 ou 5 livros com o Noronha e continua a matar familiares?! Coitada da personagem lol
Quanto aos outros livros dele sou capaz de dar o benefício da dúvida mas estes do Noronha não me meto outra vez. Pelos vistos a fórmula não mudou desde os 2 primeiros livros:/
O JRS tem muitos vícios no estilo de escrita. Procura por críticas aos livros dele nos jornais e vais reparar em maneirismos que numa primeira leitura dos livros do JRS deixas escapar e que são hilariantes quando começas a reparar neles.

Snow disse...

Bem, é louvável teres chegado ao fim do livro. Isso é que foi perseverança :]

Loot disse...

DC: Não disse que morria :P
Bem daqui a nada existe aquele jogo dos shots com a escrita dele, sempre que se repete, a malta bebe mais um.

Snow: A escrita é fácil, lê-se bastante depressa e decidi despachar isto no fim-de-semana porque sempre que o largava a vontade de voltar a pegar era pouca :P

rui alex disse...

eu gosto do JRS :)
só ainda não li este último, porque ando a ler outros géneros de momento, mas gosto muito dos thrillers históricos. Aprende-se muito e são colocadas novas perspectivas sobre temas polémicas, às vezes as provas não são suficientes mas gosto do esforço criativo com que o autor junta as peças e torna tudo plausível.

Eu vi esse documentário do Cameron, muito bom, [spoiler que nem por isso] mas deixa a prova da identidade em aberto: "ainda em investigação".

Vi mais documentários sobre a figura histórica de Jesus mas um que me agradou particularmente era um que dizia, e provava, que Jesus era budista. Coisas como "oferecer a outra face" são o que budistas diriam. Não sei o nome mas fica aqui a página sobre essa teoria.

Loot disse...

Quando estamos a falar de ficção o autor pode "inventar" e criar mirabolantes histórias misturando ficção e realidade. Eu gosto de thrillers históricos.

Mas este é muito fraco. A história é mal conduzida e a dada altura perde todo o sentido. Quando leres podemos falar melhor sobre ele :P

Em relação a Jesus existem algumas teorias que se debruçam sobre os anos que estão ausentes no Novo Testamento. Uma das teorias é precisamente essa. É que ainda são vários anos, uma pessoa questiona-se.

Sobre a propagação desta religião, "Os Génios do Cristianismo" também é uma leitura interessante.

Abraço

Anónimo disse...

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