segunda-feira, setembro 16, 2013

Only God Forgives (2013)


“Only God Forgives” surge-me como um filme fetichista, já “Drive” o era (faltam-me ver mais dele), mas nesse toda a estética dos anos 80, o mito do herói e a emoção que dele advinha compensavam muito mais a sua visualização. Neste último Nicolas Winding Refn continua a filmar aquilo de que mais gosta, polindo todas as arestas com o máximo de atenção e no fundo a fazer um filme para ele próprio, talvez até sem grandes preocupações com a audiência.

É por isso mesmo um filme de extremos. Quem partilhar dos gostos - ou fetiches - do realizador terá em “Only God Forgives” uma aposta mais segura, enquanto o resto provavelmente fugirá dele como o diabo foge do telemarketing. Como eu partilho algumas das paixões do realizador, sendo uma delas a estilização da violência, encontro aqui uma série de aspectos que me atraem, mas no final não lhe fico rendido como havia acontecido previamente. Desta vez era preciso mais.

Uma coisa ninguém pode criticar negativamente a Refn, toda a cinematografia e jogo de luzes estão feitos com uma atenção impressionante. Esta era uma das razões porque fiz questão em ver o filme na grande tela e nesse sentido não desiludiu. A banda sonora volta a marcar uma forte presença também, entrando numa bela comunhão com as imagens. A sequência do combate em particular é maravilhosa.

Em relação à personagem de Vithaya Pansringarm, o Lt. Chang, muito se tem especulado sobre a mesma que já foi apelidada de “Anjo da Vingança”, aquele que exerce a justiça divina (se estivermos a pensar na justiça do Velho Testamento). O realizador afirmou numa entrevista que tanto Chang, como o Condutor em “Drive” ou o guerreiro One Eye em “Valhalla Rising” são a mesma personagem, uma criatura mitológica que tem um passado misterioso e que não se consegue relacionar com a realidade porque ele é muito mais intenso e puro fetiche [1]. Existe aqui portanto uma dose de misticismo e culto à volta desta entidade que poderá continuar a surgir nos filmes de Refn. Acho que este lado da personagem se nota mais em “Only God Forgives” do que em “Drive”. Sabendo-o agora, posso olhar para o filme e vê-lo, mas quando o vi pela primeira vez tal nunca me passou pela cabeça. Já neste, Chang é claramente uma personagem que remete mais para tratamentos místicos, quiçá divinos - e agora o combate entre Chang e Julian faz muito mais sentido.

A personagem de Ryan Gosling, Julian, é particularmente estranha e o actor interpreta-a de uma forma por vezes tão apática que nos deixa quase sempre a questionar o que se passará dentro daquela cabeça. Quanto mais o filme avança, mais descobrimos ou especulamos sobre Julian, claramente alguém com uma infância traumática e que tem na sua mãe uma relação de amor-ódio que por vezes evoca sentimentos de incesto, sentimentos esses nunca confirmados, tal como grande parte da sua história. Será que a sua mãe conta a verdade quando fala do filho e do pai? Kristin Scott Thomas no papel de mãe é também um dos pontos mais fortes do filme com uma das interpretações mais memoráveis do mesmo.

“Drive” tinha um argumento minimalista e privilegiava sem vergonhas a forma ao conteúdo, era assumido. Porém, além da beleza estética “Drive” tinha uma emoção que transbordava a tela, que para mim fez toda a diferença. Em “Only God Forgives” o realizador já constrói uma história mais impregnada de simbolismos usando como pano de fundo a realidade tailandesa, mas o que compensa em história, perde em emoção, este é mais frio mais sisudo. E isso não tem de ser mau, o problema é que Refn parece, pela amostra, ser um realizador muito mais capaz a trabalhar a forma do que o conteúdo. É certo que há um plano desde o início, os símbolos expostos ao longo do filme caminham-nos para um determinado acontecimento em particular, um momento de redenção. E apesar de o filme ser visualmente aterrador, de ter uma aura de mistério que até certo grau é bem eficaz, chegados ao fim, no campo da história, fica a sensação de que o resto do filme pedia mais - até porque já vimos coisas melhores neste campo.

"Only God Forgives" parece ser assim uma espécie de encontro entre David Lynch e Alejandro Jodorowsky, mas um que não consegue ser tão intenso nem marcante como os filmes dos dois realizadores citados. Ainda assim há claro potencial em Refn que tem um domínio da técnica que impressiona e muito.

2 comentários:

Carlos Branco disse...

Sem dúvida que Refn é daqueles realizadores que vai valer a pena acompanhar, acusado de usar e abusar da forma, isso pouco interessa. as coisas são mostradas com muita qualidade e competência e até com profundidade que por vezes a apatia do acting parece distorcer. abraço,

Loot disse...

Sim também não me incomoda nada o seu abuso da forma, acho que é o seu ponto mais forte e deve usá-lo como bem entender.

Aqui a apatia até me parece propositada, não acho que mascare a profundidade, o filme quer tê-la, isso nota-se, mas acho que ainda lhe falta trabalhar mais esse campo, talvez por o outro ser tão impecável se nota essa diferença, essa discrepância entre os dois. De qualquer das formas estou a achar o percurso dele muito interessante, também acho que é de arriscar e explorar coisas, mesmo que por vezes se falhe (e não acho que este filme seja um falhar).

abraço