segunda-feira, maio 12, 2014

Paranoid Park


I stood there, watching her. The whole world was a dream, I realized. Everyone was acting in a bad soap opera. The whole world was one big FOX TV show.

Quando se pensa em obras de ficção que abordem o sentimento da culpa, aquela que costuma surgir em primeiro lugar na memória é o devastador Crime e Castigo de Dostoiévski. O autor Russo excedeu-se na sua exploração da mente humana, criando um verdadeiro estudo psicológico sobre o Homem. Por isso não é de estranhar que Blake Nelson comece por citar esse mesmo livro antes de começar o seu Paranoid Park. Aliás a homenagem ao autor Russo é bem sentida, mesmo mais tarde volta a ser mencionado através do seu Notas do Subterrâneo.

Paranoid Park é a história de um jovem de 16 anos que acidentalmente mata um segurança numa estação de comboios.  A partir daqui seguimos a viagem de culpa sentida pelo protagonista e como isso o afecta a nível individual e social. A maioria de nós tem a vida como garantida, se respeitarmos o próximo não teremos à partida problemas legais, nem de consciência, a este nível. Mas um acidente pode mudar isso, basta imaginar um qualquer problema que ocorra a conduzir e que resulte na morte de outra pessoa. Mesmo sem culpa é algo que pode "destruir" o espírito numa fracção de segundos. Neste caso, a história é diferente, mas o protagonista nunca teve intenções em matar, contudo, a forma como a acção se desenrolou despoleta uma forte dose de culpa.

Blake Nelson conta a história a partir do ponto de vista do protagonista. Não vivo na América, mas senti que o autor conseguiu captar bem a jovialidade da personagem. A sua "voz de autor" pareceu-me credível, genuína. Por isso mesmo não teremos aqui a mais fina prosa, estamos a ler o relato de um jovem de 16 anos, afinal de contas. Mas essa juventude também traz algo à obra, a visão de um adolescente perante uma situação tão adulta e tão trágica, o que funcionará bem num público dessa mesma faixa etária, haverá uma maior identificação. Apesar das diferenças entre todos nós, mesmo em termos de idade, parece-me que há sentimentos que, pura e simplesmente, são humanos. A descrição da forma como este rapaz reagia a determinadas situações tem qualquer coisa de universal, mesmo não tendo passado pelo mesmo conseguimos sentir uma familiaridade com o medo que esta sente. A estrutura do livro também é muito interessante, a história é contada sob a forma de cartas, um mecanismo cuja razão fica não só clara no final, como faz todo o sentido.

Vale a pena explicar que Paranoid Park é o nome de uma zona adoptada pelos Skaters para praticar. É descrita como uma zona mais perigosa, mas também como o melhor local para andar de Skate. Como o protagonista é skater o seu fascínio por Paranoid Park é expresso logo na primeiras linhas, contudo, é onde tudo começa.

Já li que Nelson considera este livro como um recontar do "Crime e Castigo", mas tal afirmação, a ser verdadeira, é exagerada. Compreendem-se as semelhanças e inspirações, mas o livro de Dostoiévski aprofunda mais questões. E mesmo o crime em si, nada tem de acidental, sendo antes algo bem calculado e com um objectivo bem definido (e que é amplamente explorado no livro). Não, isto de recontar não tem nada, é outra história diferente que parte da base de uma ideia de Dostoiévski.

Concluindo, é um livro com uma escrita muito simples - faz sentido - que consegue transmitir bem o sufoco que uma situação destas traria à nossa vida, essa corda que nos amarra o pescoço e nos deixa imóveis, mergulhados num estado de profundo terror e culpa. Será mais dirigido a um público adolescente, podemos até apelidá-lo de O Crime e Castigo Juvenil - não sei se isso será inteiramente justo, mas soa bem. De qualquer das formas acho que é uma história da qual não darão o vosso tempo por perdido, principalmente a quem se interessar por este tipo de temas, como eu.

Posteriormente foi adaptado ao cinema por Gus Van Sant, em 2007, tendo vencido a Palma D'Ouro desse mesmo ano.

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